Alemanha: Parlamento rejeita lei que limitaria imigração – 31/01/2025 – Mundo

Após um debate histórico sobre refugiados, democracia e extremismo, o Parlamento da Alemanha rejeitou nesta sexta-feira (31) um projeto de lei que limitaria a imigração no país. A votação foi uma derrota, ainda que aparente, para Friedrich Merz, o líder conservador que arriscou aceitar o apoio da extrema direita na tentativa de aprovar a legislação.

Caso fosse bem-sucedido, Merz seria o protagonista de um fato inédito na política alemã desde 1933. Naquele ano, um Reichstag (Parlamento à época) pressionado por corrupção e violência votou a Lei de Habilitação, que concedeu plenos poderes ao então primeiro-ministro, Adolf Hitler. As consequências do ato são bem conhecidas.

O Reichstag hoje é apenas o prédio histórico que serve de base para uma instalação moderna, desenhada por Norman Foster, que abriga o Bundestag, o Parlamento alemão. O quanto a situação atual se distancia da história era justamente um dos pontos mais acirrados do debate, que durou quase quatro horas em Berlim.

A chamada “Lei de Limitação de Influxo” teve 350 votos contrários, 338 a favor e 5 abstenções. Determinava que o governo deveria não apenas controlar a imigração, como limitá-la, acabava com o direito de reunificação familiar de refugiados e ampliava poderes da Polícia Federal na fiscalização. De acordo com o governo Olaf Scholz, o diploma feria a Constituição, as leis europeias e, mais do que tudo, “abria as portas do inferno”.

A descrição foi feita por Rolf Mützenich, líder do SPD, o partido do primeiro-ministro. O veterano político abriu a sessão fazendo uma advertência a Merz. “A queda do Brandmauer acompanhará vocês para sempre”, afirmou, em referência ao “firewall”, a distância que o campo democrático alemão mantém da AfD, o partido extremista do país.

Na quarta-feira (29), Merz já tinha driblado o instrumento ao aprovar uma moção também sobre imigração com o apoio da legenda. O candidato da CDU, apontado até aqui como favorito pelas pesquisas para se tornar o premiê, submeteu a resolução ao Parlamento ciente de que sua aprovação só ocorreria com os votos antes rejeitados.

A atitude foi amplamente criticada pelos partidos rivais e até pela ex-primeira-ministra Angela Merkel, ícone da mesma CDU. Protestos ocorreram em diversas cidades e sedes do partido foram vandalizadas.

Setores da sociedade civil, como as Igrejas Evangélica e Católica, assim como entidades que lutam contra o antissemitsmo, pediram para Merz recuar. O político, porém, argumentou que o “momento do país é de urgência” e isso falava mais alto do que a necessidade de isolamento da AfD.

A legenda é classificada como de extrema direita pelos serviços de segurança da Alemanha e tem integrantes investigados por discurso de ódio e neonazismo. Entre outras bandeiras populistas, defende a saída da Alemanha da União Europeia, a volta do marco alemão e deportações em massa.

Merz foi acusado pela líder do partido, Alice Weidel, de se apropriar das propostas da AfD. Para muitos críticos, sua atitude era uma tentativa de obter dividendos eleitorais diante de recentes episódios de violência provocados por imigrantes.

O pragmatismo de Merz é respaldado por pesquisas de opinião. Segundo levantamento encomendado pelo jornal Bild, 69% dos ouvidos concordam com a moção aprovada na quarta-feira (31), que não tem força de lei. Fatia ainda maior, 76%, declara que a política imigratória do país está errada; 51% querem fronteiras fechadas.

Na tribuna, o candidato usou os números para defender que a nova legislação era necessária. Segundo ele, a votação da moção “estava correta em substância”, e o clamor popular indicava que o Parlamento deveria “mostrar que ainda é capaz de agir”.

O debate prosseguiu com uma série de acusações e bate-bocas educados, ao menos para olhos brasileiros. Merz e aliados afirmavam que a coalizão minoritária do governo, formada por sociais-democratas e Verdes, recusara-se a discutir o teor do projeto e até o adiamento da votação. A versão foi contestada em plenário.

A três semanas da eleição, a pergunta a ser respondida é o quanto a manobra vai custar a Merz. “Estou em paz e satisfeito comigo por ter tentado”, afirmou o político, dizendo que “as vítimas de Magdeburgo eram mais importantes do que maiorias” —referência ao atropelamento de dezembro que matou seis e feriu mais de 300 em um mercado de Natal.

Weidel disse que a candidatura do adversário “foi desmantelada”. Perguntou ainda, de maneira irônica, quem presidia a CDU, “se Merz ou Merkel”. Quase 30 parlamentares aliados votaram contra o projeto ou se abstiveram, defecção determinante para o resultado.

Colíder do Verdes, Britta Hasselmann disse que o resultado era “uma boa notícia após um dia difícil”. Ainda assim, as fissuras no campo democrático da Alemanha ficaram evidentes, o que pode favorecer ainda mais a ascensão da extrema direita, que já ocupa a segunda colocação nas pesquisas de intenção de voto. “Ninguém pode ficar feliz com isso.”

Folha

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